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A Convenção 158 da OIT poderá afetar as dispensas sem justa causa?
Publicado em: 18/01/2023.
Nos últimos dias, têm surgido muitas dúvidas sobre o julgamento que ocorrerá no Supremo Tribunal Federal acerca da Convenção nº 158 da OIT – Organização Internacional do Trabalho, por receio de surgirem limitações legais para a efetivação de dispensas sem justa causa. Com isso em mente, viemos trazer esclarecimentos sobre o tema.
Para que haja uma plena compreensão do assunto, é importante trazer uma explicação inicial acerca do funcionamento das normas internacionais do trabalho. A OIT é uma agência da ONU que atua na criação de princípios e normas trabalhistas internacionais para a proteção dos trabalhadores, especialmente por meio de convenções. E, uma vez editada a convenção, cada um dos Estados-membros da Organização pode optar por ratificá-la, ou seja, por inserir essa norma no seu ordenamento jurídico.
A Convenção nº 158 foi aprovada no ano de 1982, na 68ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho, em Genebra, na Suíça, tendo sido ratificada pelo Brasil em 1996. E, nesse mesmo ano, Fernando Henrique Cardoso promoveu a denúncia dessa norma, por meio do Decreto nº 2.100/1996, com o objetivo de retirá-la do ordenamento jurídico brasileiro. Logo em seguida, no ano de 1997, foi proposta a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 1.625, com o objetivo de discutir a constitucionalidade dessa medida, uma vez que a Constituição Federal prevê que a denúncia de um tratado internacional está subordinada à participação do Congresso Nacional, o que não foi observado pelo Decreto nº 2.100/1996.
Assim, na hipótese de procedência da ADI 1.625, com a declaração da inconstitucionalidade da denúncia feita por FHC, haveria a reincorporação da Convenção nº 158 da OIT ao ordenamento jurídico brasileiro. Diante dessa possibilidade, é importante discutirmos as consequências da possível procedência da ação.
A questão que tem gerado maior polêmica sobre a Convenção 158 da OIT é a previsão contida no artigo 4º, dispondo que “Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada (…)”. Com a leitura desse dispositivo, surgiram muitas especulações de que os contratos de trabalho apenas poderiam ser rescindidos por justa causa, o que criaria inúmeras dificuldades na gestão dos negócios.
Contudo, por algumas razões, entendemos que isso não ocorrerá.
A primeira razão é que, ao fazer a leitura desse artigo, vemos que ele traz a necessidade de “justificar” a dispensa dos funcionários, o que não significa, necessariamente, que a rescisão deve ser feita “por justa causa” em razão de uma falta grave, mas apenas que deve ser apresentada uma justificativa. Assim, entendemos que as maiores preocupações sobre o tema surgiram diante da interpretação dos termos “justa causa” e “causa justificada” como equivalentes, o que não ocorre na prática.
Além disso, tanto não há proibição de dispensas sem justa causa, que a própria Convenção 158 da OIT também prevê, por meio do artigo 10, a possibilidade de cada Estado-membro decidir pelo pagamento de uma indenização compensatória em caso de rescisão injustificada.
E, no Brasil, a Constituição Federal já possui uma disposição sobre esse assunto, prevendo o pagamento de uma indenização compensatória em caso de dispensas sem justa causa, que, de acordo com o artigo 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), impõe o pagamento de indenização rescisória correspondente a 40% do saldo do FGTS.
Outro ponto que merece destaque é que, na hipótese de reincorporação da norma, a Convenção nº 158 da OIT possuiria status de norma “supralegal”, isto é, uma norma superior às leis ordinárias, mas hierarquicamente inferior à Constituição Federal, de modo que ela estaria sujeita às regras inseridas na nossa Carta Magna, que já autoriza a efetivação de dispensas sem justa causa.
Assim, ainda que o Supremo Tribunal Federal julgue procedente a ADI 1.625, isso não significa que a reincorporação da Convenção nº 158 da OIT ao ordenamento jurídico brasileiro proibirá a efetivação de rescisões “sem justa causa”, em razão da submissão desta norma às disposições constitucionais que já autorizam as dispensas nessa modalidade.
Por: Dra. Julia Sinisgalli.
Sapira e Krasiltchik Advogados e Associados.